Sobre construir janelas
Erguer antes de tudo uma parede –
a parede no caso é importantíssima,
pois as janelas só existem sobre
paredes, as janelas sobre nada
são também nada e não são sequer vistas.
Em seguida quebrá-la até fazer
nela um grande buraco, não maior
que a parede, pois precisamos vê-la,
nem menor que seus braços – as janelas
sobre as quais não se pode debruçar
não são janelas, são buracos. Pronto.
Ou quase: agora basta construir
um mundo do outro lado da parede,
para que possas vê-lo, emoldurado.
27.12.07
em
1:59 PM
18.12.07
10.12.07
o avô materno
meu avô usava meias nos dedos
para escrever (e era tão distraído
que devia usar luvas nos pés) e
quando íamos às castanheiras
ele era uma luz no andar de cima
que só se apagava para tomar um copo
de cerveja na cabeceira da mesa
com o dedo mindinho sempre em riste
sua voz tinha um sotaque não sei de onde
mas parecia ser do seu quartinho
quando falava das pessauas e eu nunca entendi
porque é que ele falava pessauas e porque
é que ele preferia escrever sobre elas no quartinho
a conversar com elas na lareira
para escrever (e era tão distraído
que devia usar luvas nos pés) e
quando íamos às castanheiras
ele era uma luz no andar de cima
que só se apagava para tomar um copo
de cerveja na cabeceira da mesa
com o dedo mindinho sempre em riste
sua voz tinha um sotaque não sei de onde
mas parecia ser do seu quartinho
quando falava das pessauas e eu nunca entendi
porque é que ele falava pessauas e porque
é que ele preferia escrever sobre elas no quartinho
a conversar com elas na lareira
em
2:18 PM
5.10.07
30.6.07
R.I.P.
quando não há mais qualquer coisa após
o que vivemos juntos, a não ser
o fim, com a tragédia de sabermos
o fim, e a certeza da dor, atroz
quando você e eu não é mais nós
quando nós já não podem desatar-se
quando chorar-se não é mais catarse
e de berrar já se perdeu a voz
por mais que doa e que nos caia o céu
sobre os olhos abertos e os meus
rasguem-se de dor e feito papel
chovam corpos picados, aos seus,
por amor mesmo, e para ser fiel,
é preciso saber dizer adeus.
o que vivemos juntos, a não ser
o fim, com a tragédia de sabermos
o fim, e a certeza da dor, atroz
quando você e eu não é mais nós
quando nós já não podem desatar-se
quando chorar-se não é mais catarse
e de berrar já se perdeu a voz
por mais que doa e que nos caia o céu
sobre os olhos abertos e os meus
rasguem-se de dor e feito papel
chovam corpos picados, aos seus,
por amor mesmo, e para ser fiel,
é preciso saber dizer adeus.
em
8:38 PM
25.6.07
21.6.07
erguer
erguer um pé – só – e esperar que este
toque o chão para erguer o outro que
só depois de tocar o chão de novo
deixará o primeiro por sua vez
levantar-se; e além de tudo isso
há a necessidade de mover-se
pra frente – sempre – além do perigo
iminente da queda, que haverá
de ocorrer, fatalmente, sucessivas
vezes e que não pode coincidir
jamais com o deixar de caminhar
mas com o levantar e o calmamente
recomeçar, pé ante pé, até
que já não haja como levantar-se.
toque o chão para erguer o outro que
só depois de tocar o chão de novo
deixará o primeiro por sua vez
levantar-se; e além de tudo isso
há a necessidade de mover-se
pra frente – sempre – além do perigo
iminente da queda, que haverá
de ocorrer, fatalmente, sucessivas
vezes e que não pode coincidir
jamais com o deixar de caminhar
mas com o levantar e o calmamente
recomeçar, pé ante pé, até
que já não haja como levantar-se.
em
2:36 AM
15.6.07
2.4.07
a feia
ela tinha estrias estridentes e dentes
cariados, celulites no nariz, coriza
no culote, batata fina e tornozelo grosso,
pé chato, perna em xis, papada no papo e
sob os olhos cheios de remela, (sabe
aquelas fotografias com antes e depois?
ela era o antes, eternamente) e eu a amava
mesmo assim, ou por isso mesmo, e garanto:
nada é mais bonito que amar uma mulher horrenda.
cariados, celulites no nariz, coriza
no culote, batata fina e tornozelo grosso,
pé chato, perna em xis, papada no papo e
sob os olhos cheios de remela, (sabe
aquelas fotografias com antes e depois?
ela era o antes, eternamente) e eu a amava
mesmo assim, ou por isso mesmo, e garanto:
nada é mais bonito que amar uma mulher horrenda.
em
10:52 PM
20.3.07
unha e carne
eram como unha e carne os dois
e como unha e carne partiram-se
em metades injuntáveis ambos
sob o alicate inox e ela
só, repousa no ladrilho, âmbar:
lua minguante sobre o bidê.
e como unha e carne partiram-se
em metades injuntáveis ambos
sob o alicate inox e ela
só, repousa no ladrilho, âmbar:
lua minguante sobre o bidê.
em
10:01 PM
27.2.07
21.2.07
1.2.07
mas era como se não fosse
Eu estava em casa, mas era como se não fosse a minha casa, era como se a minha casa fosse indiana ou paquistanesa, com abóbadas laranjas, mas era minha casa, aqui na Gávea, com minha mãe e minhas irmãs, e eu acordava minha mãe, mas que não era bem minha mãe, quer dizer, na verdade era uma mistura dela com a minha tia, e a gente ia para as paineiras, que na verdade ficavam no jardim aqui de casa, mas eram as paineiras mesmo, e não um jardim que parecia as paineiras, eram as próprias paineiras só que aqui em casa, e lá estava acontecendo uma grande festa, e já era de noite, embora eu não estranhasse que tivesse chegado a noite de repente, pois em um sonho tudo é muito natural, de repente era noite, sem que houvesse qualquer transição, simplesmente era noite e todos bebiam, porque era festa, e tinha quadros nas paredes, sim tinha paredes, mas eram as paineiras mesmo, tenho certeza, pois num sonho as coisas têm a liberdade de ser e não ser, ao mesmo tempo e sem qualquer necessidade de explicação.
em
1:08 PM
30.1.07
#&@†∑*!!!
e eis que de repente bip um enorme flush tomou conta da sala e todos os presentes de uma hora para outra blump e eu saquei minha arma e clic estava sem munição e todos clácláclá em cima de mim e eu só clic clic clic até que arrrrgh acertaram no meu peito e todos ohhhh mas eis que tã-rã eu estava de coletes e plop saquei minha granada e cataplouft acabei com aquilo tudo até que de repente bip.
em
12:36 PM
28.1.07
você se rasga em nesgas de cetim
cisma desmaios lúcidos você
desaba na cama e finca as unhas
nos lençóis de seda berra lágrimas
arranha o teto morde os dedos mas
não adianta: você é kitsch, querida.
em
5:08 PM
Assinar:
Postagens (Atom)