Rua Caio Mario

20.12.08

practically perfect in every way

você chegou tirando coisas fantásticas
de dentro da bolsa me encheu a boca
de açúcar me ensinou a rir até o teto
e sumiu num dia nublado com o guarda-
chuva em riste sobre as chaminés de londres
dizendo que volta quando der na telha.

18.12.08

12.11.08

copacabana

alguns lugares pertencem a tempos
específicos e repousam
numa data como certos becos
de copacabana que moram eternamente
em mil novecentos e noventa e três
e de onde se pode ligar de orelhões
com fichas e comprar revistinhas
do cascão por cinco mil cruzeiros.

4.11.08

abre a boca e fecha os olhos

já não me diz nada um pôr do sol em cancun
e um coqueiro em alto mar já vagou por protetores
de tela demais para me causar qualquer sensação
de bem-estar; os casais parisienses que habitam
calendários já não me dão sequer vontade
de ir a paris assim como não me comovem
mais as crianças de sebastião salgado nem
a menina que foge do ataque do napalm
e que em breve estampará cangas e biquinis;
as imagens estão gastas e não há nenhuma
que erga pontes como a palavra que.

25.10.08

elephant gun

Te encontro na Moldânia ou na Manóvia
às sete da noite de 2016 na praça
principal de uma cidade excusa
em que as ciganas foram proibidas
de tomar café e os negros pintam a palma
da mão de amarelo e as pousam sobre
a fronte cansada da longa viagem de trem.
(chegaremos a pé cada um de um lado
e você se sentará sobre um banco envolta
em serpentinas e um manto xadrez
e sobre o teu colo eu tombarei como um boi.)

14.10.08

laranjeiras

laranjeiras não tem horizontes por trás
do supermercado princesa e das velhas
de vestidos floridos como uma toalha de mesa
(há jovens em laranjeiras mas eles prefeririam
morar em copacabana: “laranjeiras,
meus amigos, não traz felicidade”)
há quem diga, entanto, que já foi feliz
na sala de estar gigante de uma casa antiga
ou jogando bolas de gude no ano de 1952
– mas eu acho que isso foi no cosme velho.

29.9.08

o meio de todas as coisas

entre o fim do começo e o começo
do fim toda coisa tem uma massa
inerte feito ponte pela qual
passamos distraídos – ou não:
os astecas sentiam chegar o exato
momento do meio da vida – o meio do meio
da vida, o momento em que o que já vivemos
é exatamente igual ao que ainda não vivemos
– e nesse momento preciso o mais comum
dos astecas sentia uma súbita e inexplicável
vontade de tomar um trem
mas como ainda não o tinham inventado
ele acabava por entristecer-se
(daí a tristeza, essa vontade de algo
que ainda não inventaram)

22.9.08

04:17 AM

estranhamente o frio é mais propício
ao encontro dos corpos
sob o edredom do que o calor que cala
sob os lençóis
qualquer vontade úmida de contato
com a sua perna


18.9.08

doces constelações

a boca treme sob o céu
de píncaros e pícaros e
palavras ditas e reditas até
perderem a sombra de sentido
até que só fique o branco
do céu a encharcar
nossos pés.

11.9.08

safo de lesbos

seu contorno noturno me transtorna
a pele morna sob a carne mansa
mais macia do que o manto-pêlo
do que o mar na coxa sua língua roxa
inverna mil calores seu biquini
mini me maltrata mil me estorva
e turva feito burca no calor do rio
mazurca na sanfona odes negras
no baião és foda e fazes falta
nessa terra pouco firme em que você
se vivesse cantaria mpb

8.9.08

rita is on acids em manaus


deusa da cor escarlate
no branco da tez explode
a molhadez da boca
sobre o microfone
choque-de-carmim bomba de cor
e sons de rasgar o céu
rubro e doce e líquido
como os lábios de um peixe

23.7.08

morro dois irmãos

há pedras que se escondem sob a selva
cerrada – tímidas; há pedras que cobrem
suas vergonhas com neve, mesmo no verão;
há pedras, urbanas, que põem prédios sobre si,
prédios que possam protegê-las do olhar alheio;
poucas são as pedras que ostentam a própria nudez
à vista de todos como as costas de uma musa monumental

15.7.08

a planta dos seus pés
sobre o peito dos meus
pés e a noite inteira
para dançar sobre o carpete

11.7.08

cleing

Entrei no bar e o pianista tava tocando aquela música, como é mesmo o nome daquela merda de música, aquele jazzinho vagaba, the stars, starring at the, não, como é mesmo o nome? bom, tirei do bolso a arma e tôu no pianista e ele cleing no piano e todo o mundo óóó e eu fui logo tlôut em todo o mundo e tlôu e tlôu, três tiros, fora o pianista, atirei no menino porque ele tinha emprestado dinheiro pra marlene, no velho que era cupincha do menino que tinha emprestado dinheiro pra marlene, e na marlene, é claro, que morreu sujando de sangue e de mijo o tapete do bar, aí eu que não sou escroto deixei mil reais no balcão do bar e disse é pra comprar outro tapete, e saí daquela merda batendo a porta que fez cling clingue e ah, lembrei, stardust, é o nome da música.

4.7.08

querer

Para zarpar é preciso zarpar:
é preciso isolar do cais à força
o barco, mesmo que não haja tempo
mesmo que não haja mar, é preciso

zarpar para saber o que é zarpar,
é preciso vencer o que não quer
o mar e quer temer o que é perigo
do mar pois dos perigos que há no mar

o perigo maior mora no cais
por isso, quando tudo começar
por pior que o percurso possa ser

o pior já passou pois o pior
era não começar, pois o pior
jeito de naufragar é não partir

28.6.08

Soneto Prático II

d'aprés Miguel Torga

Em meio às invasões bárbaras, eu
recomendo passar adiante o cetro.
Quando sentimos algo que morreu,
não há remédio, bisturi, eletro-

choque, capaz de reativar aquilo
que já foi vivo em nós e faleceu.
(Por vezes é melhor dizer tranquilo
aos bárbaros que o reino é todo seu).

Pós-mortem sempre nasce a tentativa
fadada a revelar-se malfadada
de crer que o que está morto reaviva

se aplicarmos uns golpes de pancada.
Quando a boca está seca e sem saliva
de nada servirá água salgada.

8.6.08

expressos

a grade e os degraus de cada rua
sem suas costas ao redor
das quais eu passaria o braço
caso você
não estivesse num bairro qualquer de São Paulo
tomando um chope e falando sobre
lei rouanet buenos aires deleuze dois mil e quarenta e seis
paulistas e pastéis de porre
japonesas e dreadlocks e cartunistas quem sabe o Angeli
deitado sobre os próprios braços numa mesa ao fundo

e um senhor de terno
que vem aqui toda noite
sempre na mesma mesa
às quatro e meia da manhã

e quilômetros e quilômetros
de distância
sou só mais um entre
os seis milhões de gatos pingados
desta cidade em que já não tem a menor graça
assistir ao novo filme do wong kar wai

31.5.08

sinopse

a verdadeira fera
é a espera
da fera

20.5.08

tom waits for you

nessa festa triste a música é chata e não há
sequer um piano para se inventar melodias
no agudo a lua é nova demais para
ser vista no ar que não cheira a mentol
e em que a morna cerveja e as mulheres
geladas se escondem atrás de conversas
e em todas as minhas conversas acabo sempre
falando de você que não está e que não há
sequer um piano para se inventar melodias no agudo.

17.5.08

nessa noite escura
como um brownie
você está ainda
mais colorida
que a mesa
do guimas e nós
estamos leves
como dois
ventríloquos no pilotis

11.5.08

e eis que
faz-se
do di
fícil
fác
til

5.4.08

Superfície ovalada de madeira
opaca, bem polida e atravessada
por uma fenda diagonal que deixa
entrever o verde que a casca esconde

e que se deve desbravar com dedos
e dentes que rompam a rigidez
de mogno que a membrana bege traz
para proteger, como o ovo o pinto,

a tenra carne do seu interior,
dando aos dentes e dedos o prazer
de lutar pelo que se quer comer

e sentir na semente oleaginosa
o orgulho por mais uma conquista.
O sabor do pistache está na casca.

5.3.08

no meio da onda do doce
achei que eu fosse morrer
e pensei
que se morrer fosse aquilo
eu queria morrer todo dia muito