Rua Caio Mario

28.6.08

Soneto Prático II

d'aprés Miguel Torga

Em meio às invasões bárbaras, eu
recomendo passar adiante o cetro.
Quando sentimos algo que morreu,
não há remédio, bisturi, eletro-

choque, capaz de reativar aquilo
que já foi vivo em nós e faleceu.
(Por vezes é melhor dizer tranquilo
aos bárbaros que o reino é todo seu).

Pós-mortem sempre nasce a tentativa
fadada a revelar-se malfadada
de crer que o que está morto reaviva

se aplicarmos uns golpes de pancada.
Quando a boca está seca e sem saliva
de nada servirá água salgada.

8.6.08

expressos

a grade e os degraus de cada rua
sem suas costas ao redor
das quais eu passaria o braço
caso você
não estivesse num bairro qualquer de São Paulo
tomando um chope e falando sobre
lei rouanet buenos aires deleuze dois mil e quarenta e seis
paulistas e pastéis de porre
japonesas e dreadlocks e cartunistas quem sabe o Angeli
deitado sobre os próprios braços numa mesa ao fundo

e um senhor de terno
que vem aqui toda noite
sempre na mesma mesa
às quatro e meia da manhã

e quilômetros e quilômetros
de distância
sou só mais um entre
os seis milhões de gatos pingados
desta cidade em que já não tem a menor graça
assistir ao novo filme do wong kar wai