Rua Caio Mario

21.9.09

Os Invasores

durante o mês de outubro sobre
tudo nos bairros sem praia é preciso
que às seis da tarde precisamente
tranquem-se as portas fechem-se
as janelas apaguem-se as luzes
durante quinze minutos de silêncio
e escuridão como se nenhuma luz
morasse aqui pois se houver alguma
luz esquecida em algum canto qual
quer meus amigos é bom saber pre
parem-se pois eles vão achá-la e a
través de alguma brecha eles hão
de se esgueirar em bando à procura
de alguma lâmpada incandescente
que lhes sirva de deus sob o qual
voarão devotos e apaixonados em
espiral ascendente para celebrar
a luz até pousarem-se sobre o sim
teco e esbaldarem-se exaustos
numa orgia de madeira compensada.

9.9.09

gênese II

No princípio era o verbo
uma vaga voz sem dono
vagando pela via láctea

Depois veio o sujeito
e junto com ele todos
os erros de concordância.

27.8.09

baía de guanabara

a baía de guanabara é uma sopa de óleo
diesel detritos ferramentas sal de lágrimas
e a saudade dos que já partiram – quando
atingimos seu vórtice devemos jogar anéis
cinzas e outros restos mortais de uma pessoa
a ser engolida pelos deuses subaquáticos
pois para isso cariocas fomos feitos – para
salgar esse imenso caldo que nos banha.

19.6.09

posto nove e meio

açaí açaí – você conhece o waldo – olha
o mate – waldo que waldo – é o melhor
mousse do rio de janeiro – agora joga
um spray nas minhas costas – conheço
um waldo que morreu – meu mousse
é o melhor – o waldo não morreu quem
morreu foi o walter foi o waldo – empada
praiana foi o walter – sabe que – açaí – no
fundo – açaí – eu acho que o nome dele
era – olha – waldo mesmo – o mate – porra
tu – guara plus – tacou spray – guara plus –
no meu olho – o waldo – mate – ele mesmo
então morreu – olha o mate – para morrer
meu amigo – mate – basta estar vivo.

4.5.09

geração rio sul

mil novecentos e noventa e oito
anos depois de cristo o cinco meia
nove custava só sessenta e cinco
centavos e às seis passava doug

no canal dois e beakman no jantar
eram seis nuggets para cada um
de sobremesa horas no icequê
e cento e dez mil resultados para

“mulheres gostosas” no altavista
depois sempre sonhar com labirintos
o fluminense os beatles as mulheres

do altavista cair do quinto andar
e acordar com a cara afundada
no travesseiro sujo de benzac

19.4.09

meus palíndromeus.

Saiba: somos a Bia S.

Ah, coma. Amo chá.

A casa d'Alice é cilada, saca?

Amar dá drama.

Ando seleto. Hotel é só dna.

Soluço-me sem óculos.

E até cu buceta é.

6.4.09

no meio do deserto um houaiss

gato

um cachorro
com auto-estima

morte

um túnel
sem a luz no fim
do túnel

brasília

à noite
todos os gatos
são afro-descendentes

eternidade

o que acontece
entre o começo
e o fim

começo

o que dá início
ao fim

fim

quando de
repente eis
que tudo.

23.3.09

deixa a noite passar

.
antes do big bang o mundo
era uma bola de ping pong
e ao redor dela nada nada
nada a não ser o silêncio
como nos pastos ou nas casas
em que já não mora mais ninguém

..
até que ao redor da bola o silêncio
do nada conspirou para que
surgisse a primeira raquete
e logo em seguida a segunda
e das duas o jogo e logo tudo:
o céu o chão a terra o trigo o pão
o pasto o pêlo a pasta o palm
top o lap top o pop rock e nós

...
quando anoitece e o silêncio
estronda novamente ao redor
das esferas pálidas não esquece
que basta um encontro de partículas
para assistirmos boca
e abertos ao nascimento do mundo.

16.3.09

de volta à Sofia

Sigo Sofia. Reparo na forma das suas pernas, no formato da sua bunda, ergo meu nariz para o ar e tento captar algum resquício do seu cheiro pela rua dos Oitis. Ela olha para trás e me surpreende com o nariz em riste. Ainda assustado, digo: Sofia? e ela: Oi? e eu: Que? e ela: Sofia? e eu: É. e ela: Silvia. e eu: Ah, desculpa, achei que fosse outra pessoa. E ela foi embora, até quem sabe nunca mais, eu pensei. Mas pelo menos eu tinha o nome de Sofia como refém: Sílvia.

13.3.09

Martha

Conheci Martha na bilheteria de um cinema. Não. Foi no caixa de uma livraria. Não. Foi na fila de um banheiro. Isso. Foi na fila de um banheiro. Eu entrava no banheiro e ela já lavava as mãos. Não. Foi o contrário: eu lavava as mãos e ela entrava no banheiro. Não. Quando eu entrei no banheiro, Martha estava lá, sentada. Não. Eu estava no banheiro quando. Não. Talvez fosse realmente na bilheteria de um cinema. A verdade é que eu não lembro da primeira vez que eu vi Martha. Mas lembro da segunda.

A segunda vez que eu vi Martha foi deitada sobre o meio-fio, com uma ferida no rosto. Desci do táxi (esqueci de falar, eu estava num táxi). Perguntei: Tudo bem com você? e ela: Adivinha. e eu: Não. e ela: Não o que? e eu: Não está tudo bem. e ela: Era uma pergunta retórica. Me leva pra casa? e eu: Onde você mora? e ela: Para casa que eu digo é para a sua casa. E eu só me lembro até aí. O resto foi Martha morando na minha casa, esperando a ferida cicatrizar. Quando eu ia trabalhar, ela dizia: Traz iogurte? Nunca perguntei o porquê da ferida. Nem deixei de comprar iogurte.

10.3.09

Mais Sofia.

Na Marquês de São Vivente eis que surge um rosto particularmente conhecido. É Sofia. Em carne e osso, e não mais feita de sonho, que é a matéria das mulheres etéreas. Não tem os olhos cinzas, não tem a boca tão vermelha, mas é Sofia (talvez em meu sonho ela use batom e lentes coloridas). Ela vira à direita na rua das Acácias e eu sigo atrás, a dez metros, como nos filmes. Já não tenho mais certeza se é Sofia. Crio um jogo comigo mesmo: se ela subir a Major Rubens Vaz, não é Sofia; se virar à direita na rua dos Oitis, é Sofia. Ela pára na encruzilhada. Hesita. Vira à direita. É Sofia.

16.2.09

Sofia

Nos meus sonhos era sempre uma atriz que fazia o papel de Martha. Era como Martha mas longilínea, o queixo pronunciado, a boca mais vermelha e os olhos talvez cinzas. Era Martha, isso não era questionado no sonho. Mas, pensando bem, era uma atriz interpretando Martha. Não era, no entanto, uma atriz conhecida. Talvez fizesse teatro. Talvez morasse com dois gatos no jardim botânico. Talvez nem fosse atriz, talvez Martha fosse seu primeiro papel, e o meu sonho fosse o seu primeiro trabalho (já que eu não requeria sequer registro profissional). Talvez fosse garçonete. Mas era uma boa atriz. Nunca soube seu nome. Para efeito narrativo (pois é preciso que as pessoas tenham nome), a chamaremos de Sofia. Isto é: até um certo momento da história. Nesse momento, descobrirei que o seu nome não é esse, e a partir de então ela será chamada pelo seu nome real. Por enquanto, Sofia nos convém perfeitamente.

14.2.09

21.1.09

fevereiro

o mês de fevereiro no rio nasce
em outubro no alto da floresta
da tijuca e desce em novembro
até os bairros sem praia só
se espraia por copacabana em
meados de janeiro e explode
na praia de ipanema em geral
num sábado raramente ele chega
na gávea quando acontece já
estamos em maio.

7.1.09

mena barreto

na mena barreto passa uma avó
que nunca teve netos por um feirante
que jamais se casou e dá olá para
um filho que já não tem mãe e todos
seguem carregando suas tristezas
dentro de sacolas de plástico