Rua Caio Mario

29.11.06

sobre o esquecimento

(http://udner.blogspot.com/)
Sempre fui muito distraído e durante toda a minha vida esquecer coisas fez parte da minha rotina. Ao me lembrarem de algo que eu havia esquecido, acrescentavam, acreditando estar fazendo uma piada inédita: Esse daí só não esquece a cabeça porque ela está grudada no pescoço. Eu tinha ódio dos que lembravam e mais ainda de suas piadinhas de praxe. Não exatamente porque lembravam, mas pelo desprezo com que viam o esquecimento, associando-o à burrice e à imaturidade. Ser adulto, diziam, é lembrar de seus pertences, de seus compromissos, de suas responsabilidades. Durante muito tempo acreditei.
Somente hoje é que começo a perceber o esquecimento mais como uma opção do que como uma limitação. A começar porque todo esquecimento é seletivo: tudo o que é esquecido é de uma certa forma dispensável ou indesejado. Nunca me esqueci de comer ou de dormir, ou do prazer de se dar um mergulho no verão. No entanto já me esqueci inúmeras vezes de reuniões, de datas que nada significavam para mim ou de fórmulas de química que de nada me serviriam. A mente do esquecido seleciona as informações de modo inteligente, separando o joio do trigo, o essencial do supérfluo. Se já esqueci minha mochila em inúmeros lugares, é porque eu não tinha real necessidade de estar com ela, assim como eu só esqueci guarda-chuvas depois que já tinha parado de chover.
No mais, a felicidade pressupõe um certo esquecimento. O mundo é tão cheio de desgraças que o único modo de conviver com elas é esquecendo-as. É impossível ser feliz enquanto lembrarmos que pessoas estão sendo violentadas, torturadas e assassinadas nesse exato momento. Da mesma maneira, a única forma sadia de se lidar com a nossa própria morte e com o fato de que ela pode chegar a qualquer momento é esquecendo-a.
Assim, a felicidade pode ser compreendida como um esquecimento, mesmo que temporário, do passado e do futuro em prol do aproveitamento de um momento presente, ou mais especificamente de um lugar específico no momento presente. Não estou dizendo simplesmente que podemos ser desmemoriados e felizes, e sim que para sermos felizes temos que ser desmemoriados. Pois fora do esquecimento não há felicidade.

9 comentários:

Catharina Wrede disse...

Que que eu ia escrever mesmo???

Outono disse...

AHahaha que teoria mais capenga hein, não sei não! Parece com aquela sobre o motivo de você não comer coisas com consistencia estranha ou sobre não conseguir acordar de manhã ou sobre perder as coisas.....Ahahaha brincadeirinha
Mas mesmo assim é uma teoria bonita e poética e acima de tudo, muito bem escrita e argumentada. Não dá pra não concordar!
Beijos

Clara Mellac disse...

Concordo!
Acho que sou menos esquecida que você e te sacaneio muito por causa disso. Mas todos seqüelam.
Inclusive, confesso que já menti que esqueci só porque era mais confortável...
Bjs!

Clara Mellac disse...
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Clara Mellac disse...
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Constanza disse...

é.
só que os meus esquecimentos não são nada inteligentes: eu esqueço guarda-chuvas mesmo quando ainda chove!

MAÌRA DVOREK disse...

Adorei!!!

Cosmunicando disse...

putz, me identifiquei!
tá bom demais o texto.

EDGAR DUVIVIER disse...

Da-lhe loro